Nunca tive um só problema
de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em
“humildade” refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser
alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser
realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu
mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica
é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa
totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma
engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é
coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a
enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida,
faz perder muito tempo.
Ser humilde no reconhecimento da ignorância, não ter a pretensão de
conhecer tudo sobre qualquer coisa que seja, e nem o orgulho de não reconhecer
suas incapacidades. Como diz Clarice, a humildade com técnica é a verdadeira
humildade cristã e a técnica é essa: “a
plena consciência de ser incapaz”. Mas essa constatação não me desobriga de buscar sempre crescer na
vida e, principalmente no meu conhecimento próprio. Pelo contrário, ao
reconhecer falhas, preciso analisar os meios que possuo para diminuí-las e
sempre com humildade de saber que nunca serei perfeita. Até hoje não havia tido
essa visão de humildade, mas de fato, é a que mais a define. Até aqui via
humildade simplesmente como não ostentar poderes, quer fossem materiais ou
intelectuais, mas é muito mais, Clarice sabia...
“Eu escrevo sem esperança
de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada… Porque no
fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo
desabrochar de um modo ou de outro, não é?”
Sim, sim Clarice, eu escrevo
para me conhecer, como estou fazendo agora, estou simplesmente me desnudando a
mim mesma. Com isso, às vezes encontro pessoas conhecidas que não via há algum
tempo que, após a troca de algumas palavras, afirmam que estou mudada. Respondo
que não é isso, somente estou revelando o que já aprendi sobre mim.
Não entendo. Isso é tão
vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não
entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não
entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como
um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção
estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura
de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.
Quantas vezes desejei não entender. Ser limitada mentalmente deve ser o
paraíso. É viver sem sofrer e talvez mais amar. Em outras circunstâncias quis
entender mais, mergulhar na verdade oculta ao meu entendimento e, nessas vezes
senti-me como Clarice, louca sem ser doida. E fui salva como ela, vi que era
uma doçura de burrice, sacudi os ombros e sem orgulho e com humildade, conclui
que não entenderia mesmo. O que em muitas situações foi o melhor, uma benção
como ela diz.
Mas há a vida que é para
ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota.
Sem nenhum medo. Não mata.
Somente acrescento ao seu
pensamento: Amor não mata. Amor revigora!
Obrigada Clarice!
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