terça-feira, 31 de outubro de 2017

PINCE-NEZ



Ele usava óculos desde criança. Miopia, daquelas que sem óculos só se enxerga um metro à frente. Na adolescência tentou usar lentes de contacto e não se adaptou a elas, seus olhos choravam o tempo todo. Acostumou-se com os óculos.

Tornou-se um professor de óculos. Com os anos, um professor de óculos e gorducho. Mais um tempo, um professor de óculos, gorducho e meio calvo.

A mãe, já viúva, faleceu e ele, sendo filho único, desmontou a casa dela, doou seus pertences, guardou as fotos e os óculos, que a mãe dizia ter sido do bisavô dela. Aqueles óculos o encantavam desde criança, como era mesmo que a mãe dizia chamar? Acho que era pinci-nez, e ela contava que era do século XVI. Era dourado, seria de ouro, ele se perguntava.
        
E quando o colocou no nariz, viu que as lentes estavam corretas para sua visão.

Guardou os óculos numa gaveta, e de vez em quanto o colocava e cada vez mais a atração por ele aumentava. Era uma raridade, queria usar, exibir-se com ele. Num feriado resolveu, colocou os óculos e saiu, andou pelas ruas, percebeu olhares, não sabia se eram curiosos ou de admiração pela beleza dele. Não encontrou conhecido ou amigos que poderiam fazer comentários. Voltou pra casa e continuou com ele, a mulher ainda perguntou:

_ Por que isso agora? Cadê seus óculos?
_ Sei lá, estou me sentindo tão bem com esses.
_ Você que sabe, mas é estranho, diz ela.

No outro dia caprichou no visual ao se preparar para as aulas. Pegou um guarda-pó, branco, lavado e bem passado. Ao entrar na sala de aula, os quarenta adolescentes, momentaneamente se calaram, mas logo depois muitos riram. Ele percebeu. Os colegas também fizeram piadas, ele inventou que havia quebrado os óculos antes de sair de casa.

Ao chegar a casa, a primeira coisa que fez, foi voltar para seu óculo habitual. O engraçado foi que a visão com ele ficou turva. Pensou que logo acostumaria...

Consultou um oculista que depois de examiná-lo receitou outras lentes, foi a uma ótica encomendar as lentes, colocou os óculos e a visão estava turva, voltou ao oculista que o reexaminou e confirmou as lentes e as lentes continuavam sem melhorar sua visão. Foi a outro médico, que lhe receitou outras lentes, fez outro óculos em outra ótica, e o resultado continuou o mesmo, e procurou outro médico, outra ótica, outro óculos...

Somente com o pince-nez enxergava...


Passa-se a acreditar naquilo que se repete frequentemente para si mesmo, quer seja verdade ou mentira. Isso passa a ser um pensamento dominante na mente.

Robert Collier   (1885-1950)      


2 comentários:

  1. Hilda minha amiga querida... Depois de tantos anos reencontro você novamente na blogosfera... Alegria de ler tanta coisa boa por aqui... Quanto tempo? Creio que faz uns dez anos que não nos falamos... Grande e saudoso abraço do amigo e admirador de sempre, poeta menor entre o menores... Emmanuel do antigo blog "A Busca".

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bons tempos na blogosfera, hoje já não se criam os grupos que se integram nas ideias, não é? gostei da visita, volte sempre.


      Excluir

Revele que esteve aqui!