Caprichara tanto, para nada. Lá estava ela de volta, sozinha. E olha que aguentou
valentemente e manteve a aparência e o semblante sereno - ou pelo menos tentou
-, até o último frequentador pagar a conta e sair. E quando o último passou por
ela e olhou nos seus olhos por alguns segundos, seu coração bateu forte, sentiu
a respiração se alterar. Não que ele fosse o que ela avaliava como um homem
atraente. A calvície estava começando a se apresentar, o perfil de
seu corpo já mostrava aquele "esse" tão comum de todo homem, casado
ou ex-casado, depois dos trinta e muitos anos. Sabe qual "esse", não
é? Aquele que eles costumam identificar como o sinal de prosperidade, mas que
ela considerava como sinal de acomodação, de excessos alimentares e alcoólicos
com que se enganam e se consolam pelas frustrações e derrotas que sofrem pela
vida. Mas era um homem, e era tudo o que precisava naquela noite. Um homem que
a amasse e lhe sussurrasse frases românticas. Sim, pra piorar ela ainda era uma
romântica!
Arrancou a roupa
do corpo, jogou no chão e ficou olhando pro vestido de renda preta que custou a
sobra do salário do mês e também do próximo, e no qual havia depositado
toda sua esperança. Tinha se achado tão atraente dentro dele! Nem limpou do
rosto a maquiagem caprichada, não queria se olhar no espelho, se enfrentar!
Resolveu ligar o computador, se relacionar com o mundo através dele. Foi quando
num daqueles "sites" de bate-papo. Virtualmente se batizou Veruska,
sempre considerou esse nome sensual.
A solidão também
estava junto dele quando fechou a porta do apartamento. Nem outro uísque com
gelo conseguiu arrancar aquela sensação de estar só num mundo onde todos
pareciam acompanhados e felizes. Aí lembrou a maneira como foi olhado por
aquela mulher quando saiu do bar. Porque ele não parou na sua mesa? Percebeu
tristeza e solidão, quase a cumprimentou, mas aquela maquiagem horrorosa e
aquele vestido que não escondia a passagem do tempo nem a falta de exercícios
físicos não deixaram. Resolveu ver se alguns de seus amigos virtuais estavam
presentes na sala de bate-papo, na Internet, que costumava frequentar.
O Lordman entrou
no bate-papo, procurou pelos nomes conhecidos e reparou naquele, Veruska. Não se
lembrava de já ter visto esse nome por ali! E a Veruska não mandava mensagem
pra ninguém, será que só conversava no reservado? Seria tímida, ou estaria ocupada
conversando com outros? Essa Veruska deve ser alguém interessante, imaginou.
Dirigiu-se à Veruska.
_ Lordman: De
onde teclas?
_ Veruska: De
Pirapora, conhece?
_ Lordman: Jura?
Eu também!
Ela se descreveu
com a maior sinceridade e com a mesma sinceridade contou sua solidão, sua
paixão pelos animais, suas preferências musicais, seu inusitado prazer em
colecionar listas telefônicas, tinha centenas delas, até uma que ela tinha
trazido de um hotel da Conchinchina, empilhadas a um canto da sala.
Ele a achou
inteligente, interessante, gostou e se identificou em seus princípios, em seus
posicionamentos frente aos imprevistos da vida! E ainda a mesma solidão, quase
os mesmos gostos, a mesma mania de colecionar coisas, só que ele colecionava
caixas de sapatos, também tinha uma pilha delas e ninguém entendia essa sua
paixão.
Depois de alguns
dias e de muitas conversas digitadas, ao ouvir pela primeira vez a voz dele ao
telefone, ela tremeu de emoção. Até brincou consigo mesma que iria acreditar
que Papai Noel existia! Ele era tudo que ela sempre procurou. Tinha certeza que
também gostaria do seu cheiro, do contato de sua pele...
E o primeiro
encontro aconteceu sem surpresas, sem decepções, com todo amor que,
involuntariamente, vinham economizando e concluíram, intimamente, que o outro
era de fato atraente e bonito, inteligente e interessante como tinha se
descrito!
Nenhum dos dois
se reconheceu naqueles frequentadores do bar, solitários e últimos...
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