Numa esquina da
vida, um não viu o outro e se esbarraram. O senhor gentil abaixou-se rápido e
pegou a bolsa que a senhora deixou cair:
_ Desculpe-me
senhora, estava distraído, diz o senhor.
_ Também estava
distraída e não o vi, desculpe-me, responde ela, a senhora.
_ Então para nos
desculparmos, aceita um café? Diz o senhor.
_ Sim, vamos tomar
um café, responde a senhora.
Bem na esquina em
que se esbarraram, surgiu uma confeitaria que a vida criou para eles.
Sentaram-se em uma
mesa e apresentaram-se:
_ Sou viúva depois
de muitos anos de casamento. Avó de dois netos, filhos de um dos meus três
filhos. Aposentada como arquiteta, mas ainda aceito alguns trabalhos
particulares, conta a senhora.
_ Sou divorciado,
também avô, mas de quatro netos presenteado pelos meus dois filhos. Com
atividade profissional independente.
Não sei quantos
cafés tomaram, sei que conversaram muito tempo. Um analisando o outro.
Perceberam algumas igualdades entre eles. Despediram-se cordialmente, o senhor
querendo pedir o telefone da senhora, a senhora também queria ser contatada,
mas ambos se deram as mãos e partiram pela esquina.
Ela pensando nas
conversas que tiveram e no que percebeu dele. Será que é isso mesmo?
Perguntou-se. Sentira nele muita sensibilidade ao colocar suas opiniões sobre a
vida. Lembra que ao enterrar o marido, pensou: Agora é que você se vai, que
me liberta, e já não tenho mais tempo para pensar em encontrar um homem com
quem possa dividir meus anseios, minha necessidade de sonhar e amar. Vai-se
assim, me deixando só.
Sorri sonhadora, lembrando-se
do senhor sensível. Precisa tornar a encontrá-lo.
Nos dias seguintes
várias vezes ele surgiu em seus pensamentos e as conversas também. E resolveu.
Iria procura-lo. Numa tarde, depois que entregou o projeto no qual trabalhava
há dias, viu que o horário estava perfeito, foi ao Cine-Arte, local que ele disse
frequentar. Comprou o ingresso e acomodou-se numa poltrona dos fundos.
Pesquisou entre os poucos presentes e não o encontrou. Dois dias depois voltou,
sentou-se outra vez na poltrona dos fundos e o viu. Trocou a poltrona dos
fundos por outra na fileira atrás da que ele estava. Levantou-se junto com ele
e saiu pelo mesmo lado que ele e à sua frente. Ao chegar à antessala do cinema virou-se e fingiu surpresa ao vê-lo:
_ Olá, como vai?
Pareceu que ele por
instantes não a reconheceu, mas logo em seguida sorriu e respondeu:
_ Bem, e que prazer
lhe encontrar!
Ela já havia se
preparado para o encontro “casual”:
_ Pois é, estava
com tempo livre, pois já terminei o projeto que estava trabalhando e resolvi
assistir o filme. Bom te encontrar!
_ E você, como vai?
Está com tempo livre? Ótimo, então está convidada para nos conhecermos mais um
pouco, que acha?
Ficaram pelo
shopping onde se localizava o cinema, viram vitrines, pesquisaram as novidades
de uma livraria, ela até comprou um livro. Comentaram sobre o filme. Tomaram
sorvete de morango com chocolate. Ele comprou meias e um botão de rosa para
ela.
Conforme a conversa
se desenvolvia, mais ele a atraia: Sim, encontrara o homem com que sonhara
sempre e que se dizia não existir.
Ele a comparava com
todas as mulheres que havia conhecido, ela é inteligente, sensível e bonita.
Uma senhora bonita, não sabia sua idade, mas pelo que ela já havia contado
imaginava, apesar de que pela aparência parecia ter menos. Sempre pensou que
inteligência e beleza não fizessem par.
Combinaram de
assistirem junto o novo filme do Cine-Arte na próxima semana.
Ela se foi
avaliando-o e percebendo que as novidades que soube dele acrescentaram mais
admiração. Agradeceu–se pelos cuidados com a saúde, o físico e a mente, que
sempre dedicou a si mesma, talvez porque no íntimo tinha esperanças de um dia
encontrar esse homem. Sentia uma sensação agradável ao relembrar que notou
admiração nos olhos dele.
Três encontros
depois, e cada um mais prazeroso que o outro, num carinhoso abraço de
despedida, ela sentiu um frêmito de desejo que a surpreendeu! Quanto tempo essa
sensação estava ausente de seu corpo! Ele também sentiu e ela percebeu. E pela
esquina se foram.
Acho que vou ter
que ajuda-lo a se desinibir, ela pensa enquanto se afasta. O senhor sensível se
vai pensando que a senhora é muito discreta, muito elegante, muito dedicada à
família e teme magoá-la se confessar seu desejo.
Ele a relembrava
com ânsia de homem, sentia-se envolvido e agradecido. As mulheres que conhecera
até aqui, inclusive e, principalmente a que foi sua mulher por muitos anos, sempre quiseram alguma coisa em troca do amor que lhe davam. Sua
estabilidade financeira é que as atraiam e nela, na senhora bonita, ele sente
que é admirado pelo que é. O interesse dela é somente seus sentimentos, suas
emoções, suas opiniões e seu modo de ver a vida. Nenhuma pergunta sobre o que
ele tem ou deixa de ter.
Nesse encontro ela
sugeriu um restaurante com música suave e pista de dança, ele gostou da
sugestão. O ambiente era agradável, decoração discreta em madeira, meia luz que
junto com a música criava um ambiente agradável. Pediram vinho tinto, escolhido
e aprovado por ele. Um frente ao outro, olhares que nada viam a não ser um ao
outro. Outras pessoas no restaurante, mas eles não percebiam, o garçom talvez notando não apresentou logo o menu. Ele convidou-a a dançar. Alguns notaram
o enlevo do casal já não jovem e até gostaram de disfarçadamente os
observarem. Jantaram nem sabem o que. Na hora da despedida, ela convidou-o a
subir ao seu apartamento.
Ao entrarem e assim
que ela fechou a porta e por instantes ficaram parados mudos comunicando-se pelo olhar. E como por força de uma atração magnética o beijo apaixonado
aconteceu. Soltaram a emoção represada com ânsia, com carinho, com desejo.
Amaram-se como se fossem parceiros de tempos distantes. Descobriram-se um no
outro, identificação plena e agradeceram à esquina da vida que os apresentou.
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