Desde que o vi pela primeira vez algo nele chamou minha atenção, mas nem
investiguei o que foi. Quase em todas as manhas coincidia dele passar pela
calçada no instante que abria o portão para tirar o carro da garagem. Ele
passava reto, nem um olhar em minha direção. Era quase como um relógio para
mim. Quando o via sabia que estava dentro do meu horário, pois meu relógio
guardava-o na bolsa por não querer sua escravidão e menos ainda a ansiedade de
consultá-lo pelo percurso na esperança que ele me mostrasse não estar atrasada.
Não que desejasse seu olhar, nenhuma diferença fazia ao meu dia
essa ausência de ser momentaneamente, seu foco visual. O estranho era parecer
que somente eu o enxergava e era para ele, invisível.
Um dia percebi que fazia tempo que não o via e por mais que tentei
lembrar o que nele me chamava atenção, não encontrei resposta.
Finalmente entendi que a vida é uma incógnita mesmo. A gente pensa que
vê, mas não enxerga. Pensa que sente, mas somente somos sensíveis ao nosso redor
e só ouvimos o que queremos ouvir. O meu homem relógio me mostrou
isso.
Um dia, ao sair do carro depois de estacioná-lo olhei distraída para
o motorista que deixava seu carro ao lado do meu. Ele e eu nos
dirigíamos ao guichê do estacionamento e, a uma pequena distância um do outro,
tropecei e ele gentilmente me amparou. Sorri agradecendo e olhei seus olhos que
também sorriam. Apresentou-se e convidou-me para um café.
Conversamos descontraídos e quando terminamos o café ele me disse:
_ Lembro-me de você.
_ De onde? Perguntei.
_ Fomos vizinhos, morei na mesma rua que você e em muitas manhas a vi
tirando seu carro da garagem. Sabe, queria te cumprimentar, mas parecia que
você não me via. Disse ele.
Fiquei intrigada não, ele não é meu homem relógio, tenho certeza, me
convenci.
Meu homem relógio ou não, despertou minha atenção e eu a dele.
Combinamos um encontro para o outro dia. E depois mais um e outro e outro. Até
que numa noite o vi descer do carro, frente ao meu prédio e reconheci nele o
meu homem relógio!
Ele vestia uma camisa amarela!
Meus mistérios acabaram ali, naquele momento. Era isso que me chamava
atenção! A camisa amarela que ele usava todas as manhas e eu só avistava ela
com sua cor desagradável.
Com os encontros nos apaixonamos e resolvemos nos casar, mas impus uma
condição:
Nunca mais ele usaria camisa amarela. Não queria correr o risco de não
vê-lo outra vez!
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