segunda-feira, 21 de abril de 2014

Meu homem relógio



Desde que o vi pela primeira vez algo nele chamou minha atenção, mas nem investiguei o que foi. Quase em todas as manhas coincidia dele passar pela calçada no instante que abria o portão para tirar o carro da garagem. Ele passava reto, nem um olhar em minha direção. Era quase como um relógio para mim. Quando o via sabia que estava dentro do meu horário, pois meu relógio guardava-o na bolsa por não querer sua escravidão e menos ainda a ansiedade de consultá-lo pelo percurso na esperança que ele me mostrasse não estar atrasada.

 Não que desejasse seu olhar, nenhuma diferença fazia ao meu dia essa ausência de ser momentaneamente, seu foco visual. O estranho era parecer que somente eu o enxergava e era para ele, invisível.

Um dia percebi que fazia tempo que não o via e por mais que tentei lembrar o que nele me chamava atenção, não encontrei resposta.

Finalmente entendi que a vida é uma incógnita mesmo. A gente pensa que vê, mas não enxerga. Pensa que sente, mas somente somos sensíveis ao nosso redor e só ouvimos o que queremos ouvir.  O meu homem relógio me mostrou isso.

Um dia, ao sair do carro depois de estacioná-lo olhei distraída para o motorista que deixava seu carro ao lado do meu.  Ele e eu nos dirigíamos ao guichê do estacionamento e, a uma pequena distância um do outro, tropecei e ele gentilmente me amparou. Sorri agradecendo e olhei seus olhos que também sorriam. Apresentou-se e convidou-me para um café.

Conversamos descontraídos e quando terminamos o café ele me disse:
_ Lembro-me de você.
_ De onde? Perguntei.
_ Fomos vizinhos, morei na mesma rua que você e em muitas manhas a vi tirando seu carro da garagem. Sabe, queria te cumprimentar, mas parecia que você não me via. Disse ele.

Fiquei intrigada não, ele não é meu homem relógio, tenho certeza, me convenci.

Meu homem relógio ou não, despertou minha atenção e eu a dele. Combinamos um encontro para o outro dia. E depois mais um e outro e outro. Até que numa noite o vi descer do carro, frente ao meu prédio e reconheci nele o meu homem relógio!

Ele vestia uma camisa amarela!

Meus mistérios acabaram ali, naquele momento. Era isso que me chamava atenção! A camisa amarela que ele usava todas as manhas e eu só avistava ela com sua cor desagradável.

Com os encontros nos apaixonamos e resolvemos nos casar, mas impus uma condição: 

Nunca mais ele usaria camisa amarela. Não queria correr o risco de não vê-lo outra vez!



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