quarta-feira, 22 de julho de 2015

Débitos & Créditos



Sala de espera de consultório dentário. Existe local pior? Acho que é a antessala do inferno! Você fica lá ouvindo os sons horripilantes que vem de trás da porta que fecha a sala de tortura. E porque o doutor cirurgião dentista gosta de conversar enquanto está com dedos e trecos na nossa boca, você sabe? Já desenvolvi uma linguagem própria pra essas ocasiões: arregalo os olhos pra dizer, sim tem razão, ou concordo! Fecho quando respondo não. Mas ele nem percebe e nem espera resposta, quer mesmo é ficar falando, será que imagina que vou esquecer de sentir as picadas da anestesia, ou o incomodo daquele motor espirrando água no rosto, nos cabelos, nos braços e na minha roupa? 

Resolvo pegar uma revista. Procuro entre catálogos de remédios e de equipamentos dentários, encontro uma, pelo menos é de negócios, nada a ver com as torturas que me aguardam. Também nada a ver com meus interesses, mas o jeito é folheá-la.

Balancete anual de alguma empresa, interessantíssimo! Mas tem uns números, será que entendo? Despesas, custos, débitos, créditos, passivos, ativos... Recostei a cabeça na poltrona e fiquei imaginando onde tenho crédito e debito além da minha conta bancária... Como estará meu balancete no céu, pensei. Sim, porque naquela antessala é o pensamento mais apropriado, vai que não suporto a tortura e meu coração para! A porta é aberta e o carrasco sorridente e o pior, o danado é bonito com aquele “sorrisão branco” e me diz:

_ Bom dia, Hilda, pode entrar, é sua vez!

Parece que está me convidando para uma sessão de algum tipo de prazer. Nem sinto os passos que dou até a cadeira de sofrimentos.

_ Vou ter que fazer o canal do pré-molar, diz o sádico.

Começo sentir suor e ao mesmo tempo frio, e lá vem ele sorrindo escondendo aquela enorme seringa. Penso no meu balancete do céu e dedico o sacrifício para diminuir meu débito. Fala e fala e sorri, acho sabe que seu sorriso me distrai, enquanto espera o efeito da anestesia na minha boca.

_ Vou abrir o canal, mas fique tranquila, não vai doer nada!

Esqueço meu balancete celestial e penso que vou lhe dar um chute, daqueles que aprendi num curso de autodefesa, aí... Lembro que se fizer isso, sei lá como vou arranjar créditos para zerar o tamanho do meu débito com o céu. E mete brocas no meu dente e troca broca, e troca broca, automaticamente minha perna levanta-se em direção ao seu ponto fraco, mas consigo dominá-la em tempo. Acho que ele percebe o perigo iminente e diz:

_Pronto, agora vou colocar um curativo e acabou por hoje.

Acabada a sessão torturante, me acompanha até a porta, tento retribuir seu sorriso lindo ao me despedir e percebo que um lado da minha boca está paralisada, imagino que no lugar de sorrir fiz uma careta feia, me irrito mais um pouco, ganho mais créditos, e consigo dizer:

_ Até logo, obrigada!

Acho que diminui bem meu débito com o céu, você concorda?


Um comentário:

  1. Olá, sou um Contador e não sou tão chato como todos pensam que os Contadores são. Digitei "sogra é débito" e apareceu o seu artigo. Gostei. Vou visitar essa página a partir de agora. Abs.

    ResponderExcluir

Revele que esteve aqui!